Você não está sozinho.
E alguém, em algum lugar, pensa como você e vivencia uma experiência parecida.Marcello Popoff
Marcello Popoff era um jovem assessor focado em bolsa de valores e trabalhava em uma corretora de médio porte quando, em 2010, se lançou em uma empreitada com o sócio Guilherme Burger. Hoje é sócio-fundador e diretor da área de Expansão da Lifetime Investimentos e Diretor da Lifetime Escola de Investimentos. A Lifetime, associada ao Grupo XP, foi criada para se tornar a maior assessoria de investimentos do país. Marcello busca encontrar as oportunidades de mercado dentro do “novo normal”.
- Qual foi o seu primeiro pensamento quando ouviu sobre Coronavírus? Você imaginou que tomaria tamanha proporção e que os impactos seriam mundiais?
Eu imaginei que tomaria proporções mundiais, mesmo porque a gente trabalha com bolsa e os fatores de risco que nos determinam tomadas de decisão, envolvem questões como cisnes negros (coisas com baixa possibilidade de acontecer, mas que se acontecem causam grande reboliço no mercado).
A gente acreditou que isso poderia ser um problema, não como está acontecendo agora, mas a gente imaginou que fosse ser igual uma Influenza, uma H1N1, alguma coisa assim.
- Como e quando você se sentiu impactado pela situação (direta ou indiretamente)?
Uma amiga minha em um grupo de WhatsApp falou que o tio dela, um dos diretores do Einstein (Hospital Albert Einstein) comentou que o negócio ia pegar fogo, e ali eu senti que alguma coisa certa não estava bem. Rapidamente falei para minha esposa: vai acontecer isso, provavelmente vai ser um período longo, sugeriram que a gente se cuide, fique em casa, estoque comida, então eu tomei todas essas precauções.
Quando a gente teve a crise dos caminhoneiros, que teve uma crise de abastecimento, eu fui um pouco negligente e acabei ficando sem gasolina, fiquei todo complicado naquela situação e passar por aquilo me deixou alerta. Agora com uma filha pequena, eu fiquei bem alerta sobre os possíveis riscos, a não subestimar os riscos que podem acontecer, então eu me senti bastante preparado para este momento.
- Como você se adaptou e reinventou sua profissão para enfrentar os dias de isolamento?
A nossa profissão é uma das poucas afetadas pelo impacto de trabalhar dentro ou fora do escritório, dentro de casa, mas dentro da empresa a gente fez cortes importantes de gastos e reforçou a infraestrutura para que os nossos colaboradores pudessem trabalhar de casa. Eu, particularmente, fiquei em casa e 10 dias depois eu me mudei para interior na casa da minha sogra e por aqui fiquei. Não tive nenhuma necessidade de reinvenção, mesmo porque no dia a dia eu já trabalho muito com o celular e pouco sentado na minha mesa. Eu sou um cara de relacionamento, de pessoas, fico o tempo todo no telefone, a reinvenção foi que eu pude aproveitar a meia hora para vir, meia hora para voltar e o tempo de almoço com a minha família. Então eu acho que eu aproveitei de uma forma positiva essa questão do tal do “novo normal”.
- O cenário atual te gerou oportunidades? Quais?
Sim, o atual cenário gerou oportunidades. A gente estava planejando startar um projeto de uma escola de investimentos no começo do segundo semestre e a gente antecipou tudo isso, com conteúdos online que a gente adaptou. Então, a gente foi para o digital com a nossa empresa de uma forma muito mais rápida e estamos aproveitando bem isso.
- De que forma você acredita que pode influenciar as pessoas a sua volta (e seguidores) a lidar com as mudanças que ocorreram nas últimas semanas?
Eu acredito que eu influencio as pessoas ao meu redor com muita positividade e muito bom humor. Eu sou velejador desde criança, minha família é de velejadores, e a gente já viveu com bastante intensidade, com tempestades, do barco quebrar no meio da tempestade e ficar à deriva. Essas coisas fizeram com que eu aprendesse a ter tranquilidade nos momentos de crise. Então isso faz com que eu consiga passar para as pessoas essa certa tranquilidade, porque todos nós sabemos que depois da tempestade vem a bonança.
Esse é o estilo de vida que eu levo.
- O que mais te motiva na sua profissão?
Eu sou empresário, tenho um conglomerado de empresas e uma dessas empresas é de assessoria de investimentos, por onde o nosso negócio começou. Eu vou ser sincero, o que me motiva muito é ganhar dinheiro. Existe uma falsidade sobre o assunto “ganhar dinheiro” por aí, as pessoas circulam muito para chegar nesse objetivo. Meu objetivo é esse, claro que eu não faço de uma forma que eu passo por cima de valores pra conseguir o que eu quero, mas a gente faz isso de uma forma positiva, ajudando as pessoas, ajudando o investidor a ter tranquilidade lá na frente.
- Qual a sua perspectiva de futuro frente ao cenário atual e em quanto tempo você acredita que será possível reestabelecer sua rotina?
A minha perspectiva é que a gente tenha uma quebra daquela questão de horários, de estar no escritório as 8h, sair as 18h. Eu acho que essa questão de produção pelo tempo que está em algum lugar vai cair, e vai ser transferido para um negócio mais tranquilo. E eu imagino restabelecer minha rotina já em julho.
- Qual você acredita que seja a principal lição que podemos tirar de todo este cenário?
Eu acho que a lição que fica é que a gente é ser humano. E ser humano também é um bicho, e apesar de a gente ser racional, conversar, se comunicar, pensar, a gente também pode sofrer com a natureza, Não é só por exemplo um urso polar que se prejudica quando o planeta esquenta. A gente também, não somos inquebráveis, somos bastante suscetíveis a questões que estão inerentes a meio ambiente. A gente tem vulnerabilidade quanto a membro pertencente da Terra, a gente não pode se isolar do meio ambiente, como a gente fez todos esses anos. Se a gente entender que as coisas acontecem dessa maneira, eu acho que a gente começa a se importar um pouco mais com o meio ambiente.
- O que você acredita que mais mudou no comportamento das pessoas? Quais são as novas dores que este cenário criou?
Eu acredito que uma coisa que mudou é a questão da higienização, as pessoas vão ter uma consciência sanitária muito grande. E acho que esse pode ser um grande ponto de inflexão lá na frente, assim como as guerras trouxeram grandes tecnologias que mudaram o mundo hoje, eu acho que essa questão sanitária hoje vai trazer grandes impactos para a humanidade a longuíssimo prazo.
As dores que o cenário criou, com certeza, são as dores da distância, que as pessoas não conseguem se ver, e isso gera estados mentais complexos.
- Você acredita que, de forma geral, a Educação Financeira poderia ter minimizado os impactos? E que esta é a grande oportunidade de conscientização da população?
Não acredito que a Educação Financeira teria minimizado os impactos, porque essa questão que a gente está passando hoje é imprevisível. Não tinha como acontecer, estava fora de qualquer modelo econômico dos mais complexos. Uma educação financeira básica para a população não ia fazer as bolsas caíssem menos, ou até mesmo uma loja de bairro fizesse mais caixa para aguentar mais tempo sem faturamento, isso não impactaria não.
- No que diz respeito a investimentos, você tem percebido uma postura imediatista no mercado, com tomadas bruscas de decisão ou um ponderamento e pensamentos e estratégias a longo prazo?
A gente tem percebido uma postura mais “longo prazista”. Nas últimas crises, a gente não tinha tanto acesso à informação como se tem hoje, e aquelas frases de efeito do mercado, como “compre na baixa”, “venda na alta”, elas são mais proliferadas, então você enxerga uma população que já tem uma consciência de que ele tem bolsa, mas que bolsa cai mesmo, é normal. Então ele está preocupado, claro, mas para todos os efeitos ele entende que aquilo é um patrimônio para perder de vista e que crises vão passar. As decisões mais bruscas são de aumento de risco e pensando mais a longo prazo.
- Qual você acredita que seja o melhor caminho para as pessoas que não se preparam previamente para momentos de instabilidade?
São as vias emergenciais. Não acredito que alguém vá conseguir sair sem ferimentos de uma situação que a gente está vivendo agora. Até quem tem sua parcela de capital para momentos como esse está sofrendo, quem não se prepara, vai ter que ir pelas vias emergenciais mesmo, pegar crédito no banco etc.
- Qual o impacto econômico você acredita que todo este cenário irá causar nos próximos meses?
O impacto econômico dos próximos meses é o mais duro possível. Muitas empresas quebrando, muitos negócios fechando. Só que crises são momentos da transferência do capital. As empresas que estão na bolsa são as campeãs do ranking. Então por exemplo uma Loja Renner não vai fechar, mas uma loja de bairro vai. Espera-se uma recuperação rápida, mas muita gente vai sofrer consequências.
- Você acredita que a criatividade e inovação do brasileiro é ponto fundamental para estabilidade do mercado?
Sim, a gente tem esse fator que não está em nenhum modelo macroeconômico que consiga fazer conta e incluir a criatividade do brasileiro, de voltar e se reinventar. Eu acredito que o ser humano tem uma grande capacidade de se reinventar, se reconstruir, enquanto a gente está no meio da crise, é difícil de imaginar que a população vá recuperar rápido, nem acho que seja responsável da minha parte falar que isso vá acontecer, mas isso pode ser um fator que acelere a retomada sim, com toda a inovação, toda a criatividade.
Difícil mesmo vai ser conviver com a falta de liquidez que essa crise trouxe, não só para o Brasil, mas para o mundo.
- Você vê como prudente contar com reservas de emergência e benefícios do Governo ou acredita ser necessário buscar novas fontes de renda para suprir esta defasagem econômica?
O Governo não tem nenhum tipo de alternativa a não ser essa. Os benefícios emergências são as únicas fontes que a gente pode contar, não tem como fazer mais. O problema está em a gente complicar ainda mais, aumentando verbas para outras coisas, ao invés de fazer o contrário. Liberar verbas para assuntos emergências, mas tem que ser muito responsável e é parte do Congresso de resolver assuntos a longo prazo da agenda econômica. Essa é a pauta mais complicada de se fazer, porque a gente vai ter eleição e sabemos como funcionam as questões governamentais.
- Onde você acredita que estejam as grandes oportunidades de mercado no momento atual?
As grandes oportunidades no mercado atual passam por empresas que podem ter auxílio do Governo ou ter o Governo como sócio, como as empresas que caíram muito, como as de aviação, por exemplo. Porque aviação é um negócio que é necessário no mundo, é complexo, é caro, é queimador de caixa, mas se você tem uma ajuda do Governo, eu acho que o jogo vira. E quando o jogo vira nesse tipo de negócio que caiu 90%, é onde está a oportunidade.
E também na renda fixa, muitas empresas estão com dificuldade de captar dinheiro, e mesmo com a taxa de juros baixa, você tem algumas emissões que estão pagando bem. Então quem tem dinheiro na mão hoje consegue emprestar dinheiro para companhia privada recebendo bem e é um risco não tão grande a médio/curto prazo.
- Este é um momento do mercado no qual as empresas de assessoria podem se fortalecer, uma vez que as margens de retorno dos investimentos de renda fixa, como a SELIC, caíram?
Na verdade esse tipo empresa deveria se beneficiar de momentos diferentes deste também, porque essas empresas são mais alinhadas com o investidor a longo prazo. Tem uma questão aí que as pessoas confundem a figura do banco com o lugar de guardar o seu dinheiro, enquanto que não existe um alinhamento tão claro do Banco com aquele correntista, com aquele investidor. Então eu acho que é um momento de ouro para essas empresas, mas que deveria ser para o resto da vida, porque o benefício que ela traz para o investidor é bastante grande.
- No que diz respeito a economia, o que você acredita que seja fundamental ser dito neste momento? O que ainda não foi falado e que é importante que as pessoas saibam?
Eu pouco acredito em coisas que não tenham sido ditas, eu acho que o “mais do mesmo” prevalece, porque em 100% das crises até hoje, as economias voltaram, se recuperaram, cresceram. Tanto as (crises) que envolveram bastante mortes como as guerras, até as que não envolveram tantas assim, como a Guerra Fria e a crise de 2008, que foi do subprime, de alavancagem operacional.
Então para falar uma coisa que não foi dita, talvez a gente tenha que fazer exatamente a mesma coisa que a gente fez todos os anos, que é respeitar perfil de investidor, respeitar diversificação de alocação, respeitar matrizes econômicas, respeitar estratégias de investimentos e não passar por cima da racionalidade com preocupações irracionais. Porque em crises, a gente tende a ter mais medo e quando a gente tem medo, a gente coloca esse medo em cima de qualquer decisão racional, impactando em prejuízos e isso é muito ruim a longo prazo, principalmente para a construção de poupança e aposentadoria.
Então se eu pudesse dizer algo que nunca foi dito, eu diria algo que sempre é dito.
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